Era uma quinta-feira. O ar-condicionado do trabalho estava com defeito. Mesmo desconhecendo esse fato, fui com roupas leves. Uma das peças, um colete de mangas cavadas.
A sensibilidade ao calor me persegue desde a infância. Recordo-me claramente de episódios de vômito, queda de pressão, chegando a quase desmaiar (via tudo escuro). Eu e o calor não nos damos bem.
Paradoxalmente, moro na Terra do Sol. É verão praticamente o ano todo. Mas tem brisa, aquele ventinho gostoso que refresca.
Mas e quando você é obrigado a ficar numa espécie de caixa térmica abrasadora?
Foi assim que me senti na sala na qual trabalho juntamente com outras três pessoas, as quais estavam tranquilas com a alta temperatura e pasme sem janelas abertas.
Então, chega eu, a chata, a autista e abre uma janela que fica de frente ao corredor. Porém, o calor continua.
Avisto a outra janela, com vidros fumê, enorme, essa assim conseguiria trazer uma quantidade de brisa favorável para aplacar o calorão.
Mas sofro sanções ao abri-la. Escuto a frase: “Eu prefiro o calor a esta luz na minha cara”.
Então, fecho a janela. Saio da sala compreendendo que não haverá janela aberta.
Nesse contexto, a autista, que precisa de um ambiente adaptado para não ter crise é quem precisa se adaptar.
Fugindo não apenas do calor
Vou para o pátio, lá há árvores, vento, mas não há um computador, instrumento de trabalho.
Preciso alimentar um sistema, imprimir um documento importante… Nada disso foi feito. Não foi minha culpa.
E repito isso várias vezes.
Ando para cá e para lá numa tentativa de me manter calma, até que desabo no choro.
Continuo invisível, como sempre fui à maioria, como tenho sido.
Ligo para meu esposo vir me buscar. Não quero passar a tarde toda chorando no pátio. Ele mais uma vez precisa sair do trabalho para me socorrer porque o trabalho não me socorre.
Em casa, arranco toda a roupa. Mesmo com dor de cabeça e olhos inchados, sinto-me segura. Ali ninguém me julga ou despreza.
Posso respirar fundo, pedir a Deus que me acalme, mas não deixo de tomar o remédio para a dor de cabeça ir embora. O remédio de praxe já está em dia.
A sensibilidade ao calor
Pessoas autistas enfrentam uma série de problemas sensoriais, os quais impactam significativamente a vida diária.
A sensibilidade ao calor pode ser um deles, mas como estamos falando de um espectro isso não é regra para todos os autistas.
Entre os sinais da sensibilidade ao calor temos a sudorese excessiva, letargia, dores de cabeça, ânsia de vômito…
Teorias
Embora se acredite que indivíduos autistas são indiferentes à temperatura, não há dados conclusivos para apoiar essa teoria.
Cada autista é único. Conheço autistas que não toleram frio, por exemplo.
Pessoas típicas podem não tolerar nem frio nem calor em demasia, mas isso não atrapalhará o seu cotidiano. Elas podem resistir melhor, e por exemplo, continuar suas atividades.
Outra variável é o ambiente. Estar em um local fechado é diferente de estar em um local aberto.
Um passeio, uma trilha mesmo em dias quentes (não excessivamente) mas com roupas adequadas, leves e aquela brisa como companhia, é agradável. O suor evapora, não fica grudado.
Mas em um ambiente fechado e sem ventilação não.
Logo, a dor de cabeça e a ânsia de vômito atacam e a vontade de sair correndo em busca de um lugar confortável surge. É o gatilho para uma crise de ansiedade.
O desconforto não é apenas físico, é mental. A capacidade de concentração sofre um declínio tremendo.
No meu caso, tudo parece girar. Eu fico tão irritada que não meço as palavras, geralmente sou grossa, fico insuportável.
Lido melhor com temperaturas amenas, mas frio demais também me incomoda. Contudo, não me deixa irritada, louca ou explosiva, apenas incomoda.
O mundo ideal…
O mundo ideal não existe, mas o bom senso deveria operar em uma situação onde as necessidades de um indivíduo são diferentes. Talvez falte educação, empatia.
O autista nível 1 de suporte (antiga síndrome de Asperger) é o que mais sofre com o preconceito.
Porque se você não tem “cara de autista”(algo que não existe), e sua deficiência é invisível, você tal como ela também o é.
Autismo não é frescura, não é “mimimi”. Não é falta de disciplina, tampouco culpa de uma mãe geladeira.
Mas é um transtorno global do desenvolvimento. Os sinais são visíveis na infância. Ninguém se torna autista, já nascemos assim.
Tudo é mais complicado
A vida é mais complicada se você é autista e não nasce rico e com acesso à diagnóstico precoce e terapia.
Vou dar um exemplo: meu primeiro trabalho foi apenas aos 29 anos. Concurso. Porque eu não passava em entrevistas de emprego. Contar minha história daria um livro.
Ah, a sensibilidade ao calor não é a única sensibilidade que possuo. Mas isso é assunto para outro post.
Agradeço a Deus por cuidar de mim. Por me cercar de pessoas que me amam do jeito que sou. E por andar comigo. Como diz a canção: “Não ando sozinho”
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